Wednesday, February 28, 2007

O Velho e O mar - Hemingway

"Era um velho que pescava sozinho num esquife na
Corrente do Golfo, e saíra havia já por oitenta e quatro dias
sem apanhar um peixe. Nos primeiros quarenta dias um rapaz
fora com ele.
Mas, após quarenta dias sem um peixe, os pais do rapaz
disseram a este que o velho estava definitivamente e
declaradamente *salao*, o que é a pior forma de azar, e o
rapaz fora por ordem deles para outro barco que na primeira
semana logo apanhou três belos peixes. Fazia tristeza ao
rapaz ver todos os dias o velho voltar com o esquife vazio e
sempre descia a ajudá-lo a trazer as linhas arrumadas ou o
croque e o arpão e a vela enrolada no mastro. A vela estava
remendada com quatro velhos sacos de farinha e, assim
ferrada, parecia o estandarte da perpétua derrota.
O velho era magro e seco, com profundas rugas na parte
de trás do pescoço. As manchas castanhas do benigno cancro da
pele que o sol provoca ao refletir-se no mar dos trópicos
viam-se-lhe no rosto. As manchas iam pelos lados da cara
abaixo, e as mãos dele tinham as cicatrizes profundamente
sulcadas, que o manejo das linhas com peixe graúdo dá. Mas
nenhuma destas cicatrizes era recente. Eram antigas como
erosões num deserto sem peixes.
Tudo nele e dele era velho, menos os olhos, que eram
da cor do mar e alegres e não vencidos.
- Santiago - disse o rapaz, ao virem da praia para
onde fora alado o esquife. - Posso tornar a ir contigo. Já
ganhamos algum dinheiro.
O velho ensinara o rapaz a pescar e o rapaz gostava
muito dele.
- Não - respondeu o velho.- Andas num barco de sorte.
Fica com eles.
- Mas lembra-te de como saíste oitenta e sete dias sem
peixe, e depois apanhaste só grandes, todos os dias, três
semanas a fio.
- Lembro - disse o velho. - Bem sei que não me
deixaste por duvidares.
- Foi o papá quem me mandou. Sou um rapaz pequeno e
tenho de lhe obedecer.
- Bem sei - disse o velho. - É assim mesmo.
- Não têm grande fé...
- Pois não. Mas nós temos. Então não temos?
Temos - respondeu o rapaz.
- Posso pagar-te uma cerveja no Terraço e depois
levamos a tralha para casa?
- E porque não? - disse o velho."

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